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Comunhão

Há sabedoria em dividir e se deixar amar. E eu não precisei consultar gurus, apenas fiquei em braços que apontaram um caminho para dentro de mim. Uma estrada que paralelamente à florida transpassava minha humanidade. Ser gente é desafio que requer esmero. Cuidado que apenas orações sensíveis e minimamente atentos podem tocar. Gosto de cuidado. Meu grito de liberdade é exatamente este: ser tão minha sendo de alguém. Aceito-me. Selo comigo o compromisso. Limites. Delimitações. Espaços. Vazios transbordantes de essências raras. Acordar hoje foi decidir-me não permitir nada diferente da alegria, ainda que apenas aquela possível. Possibilidades são caminhos, sem atalhos e retornos, com seta para o infinito. Tudo. Pleno. Infinito: nossa vocação por hora delimitada pelo corpo, lembrada pela alma. O que ainda não sou já sendo. Tenho redescoberto a existência da comunhão. Lugar comum. Encontro. Transformação. Tenho me apaixonado de novo pelas mãos dadas, pelos corações próximos, pelo tempo

Acreditar.

Os dias agora são meus companheiros de horas teimosas: ora rápido, horas que lentamente vão passando, eu oro. Um aprendizado por segundo, um degustar silencioso. Sem alardes. Só meu peito, no seu ritmo característico, bate entre as sensações e, por vezes, me parece esforçar-se para fazer o papel de oposto do relógio. Mas tudo vai transcorrendo bem, e entre surpresas vou encantando-me com a sabedoria Daquele que segue ordenando todas as coisas. Digo sim e aceito o desafio de, sobretudo não compreender, porque foi isso que aconteceu desde aquele instante. Tenho certeza que o ponteiro travou junto com minha respiração, que se restituiu em seguida como um soluço de vida. É que eu acredito e acreditar exige coragem de sentir mesmo que os motivos sejam apenas estes: os de sentir. Rafaelle Melo.

A reconciliação

Naquela manhã ela sentia-se diferente. Como se o mundo estivesse recheado do melhor sabor e seus sentidos aguçassem para degustá-lo. Olhava tudo e via o mais belo florescendo. Descobrira que rir é, não só o melhor remédio, é a melhor vacina. Previne dores crônicas, liberta males antigos que se patologizariam ao longo do tempo, potencializa a imunidade para combater a desesperança. E foi entre risos que ela viu voltar um sonho, antigo, de menina que ela acreditara não mais ser. Para seu espanto estava enganada, pois a menina não havia parado de acreditar, apenas não era escutada, pelo barulho estonteante da dita maturidade. Reconciliavam-se então. A menina, que almejava ser mulher, e a mulher, que se esquecera como é bom sonhar. Davam-se uma nova chance de existir sem anular, de amar sem dominar, de brilhar sem sobrepor. Achavam pouco a pouco o tom. Que era só delas, que eram só uma: aquela que voltava a acreditar no amor. Por Rafaelle Melo.

De apaixonamento...

Com dedos pintados, um fundo branco transparente, ela voltava a escrever. Sentia a pele arder em um desejo de se deixar levar pelas palavras. Letras jogadas ao acaso de uma certeza de vida. Ela sonhava um café quente em um inverno aquecedor no sul. Esperava um abraço, e as palavras lhe davam. Ansiava ser quem era e só. Parava de pensar em julgamentos e sorria de si mesma. Letra por letra voltava para si, um reencontro tão mágico como o de sentar a primeira vez a frente do piano e sentir-se arrepiar. Precisou tirar antes as máscaras que lhe haviam sido impostas. Sangrou e tocou depois toda sua sensibilidade nua. Ela não precisava de muita coisa, era simples e bela por essa mesma razão. Tinha uma ingenuidade que encantadamente a enfurecia. Olhou-se ao espelho, confrontou-se em um estado lispectoriano, percebeu seus traços marcados, não mais que desenhados artisticamente. Lavou o rosto deixando escorrer o preto dos olhos e da alma e na nudez pura viu as pupilas dilatarem-se brilhando de

Dor de ser.

Eu – tão eu Que dói de ser meu o medo como dor Do – eu Não quero o meu que morre em mim Dar-me eu Perder-me é ser plenamente meu Angústia do não suportar meu eu Não cabe, Se esvai, escorreu Tomou formas do que me corroeu Me perdeu E agora, eu? Como lidar com tudo que é tão seu? Que é só seu, Mas não é só? Como lidar com todo esse nó, Sem estar só, mas sendo eu? O que fazer, meu eu? Com o que sair do interior tão seu? Sem te matar, sem me esconder do eu Que também é meu? Como sair do labirinto que entramos, Eu – tão seu, Meu eu? RM.

Aprender a liberdade

Sinto-me livre e, como em toda liberdade, sinto-me também alegre e temerosa. O medo da desconhecida liberdade. Não ser mais escrava me traz o peso de ter que escolher. O que posso vir a ser é tão grande, e eu tão pequena. Eu posso tantas coisas e arcar com tudo me paralisa e me causa estranhamento. O novo é fascinante, quero tocá-lo, senti-lo quero vivê-lo. Mas ele é mistério e eu me acostumei a inferir. Permito-me parar um tempo aqui. Silenciar... Gosto de pensar que não escolher é escolha. Não querer é querer o nada. Lado e avessos. Mundo de possibilidades encontra-se no mesmo lugar: dentro de mim. Nas minhas certezas e contradições. Em tudo que é meu. Sou tudo. Sou tudo e, por isso, contenho também o nada. Mas, o que vim dizer é que sou livre, e isso, que me pareceu distante um dia, toca minha pele e me chama para dançar. Tropeço em passos, mas danço. Flutuo na nova sensação de nada me deter, e no sonho de encontrar onde devo me prender para poder tocar o Céu. Por